A indústria da música tem bastidores tão movimentados quanto os palcos. Muitas histórias não são completamente contadas, e muitas delas ficamos sabendo apenas muitos anos depois. Outras, são batalhas de interesses que envolvem grandes nomes. O que elas significam e até onde elas vão? É difícil estabelecer, mas o esforço costuma ser interessante.
Algumas coisas na indústria fonográfica acabam se tornando apócrifas, como veremos. Por exemplo, a maior parte das grandes decisões da indústria fonográfica, de fato, passam pelo Estados Unidos e suas grandes gravadoras. Isso é verdade, mas as duas maiores empresas fonográficas do mundo são a Universal (de origem Holandesa) e a Sony (de origem japonesa), primeira e segunda respectivamente [1]. A centralização do mercado fonográfico nos EUA fazia sentido comercialmente, mas por vezes obscureceu como as coisas passam para a história, e que nem sempre o eixo das decisões passavam por lá.
A história de hoje, é de como a Sony japonesa era importante - ao menos ao ponto de influenciar a renovação de sua maior estrela da época: Michael Jackson e as guerras de poder dentro do seu braço global e americano.
Vamos entender um pouco dessa queda de braço, que envolveu a maior estrela japonesa de sua época, Seiko Matsuda, lendários CEOs e a estrela global Michael Jackson.
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A história da Sony dos anos 80 é escrita de forma estranha, porque grande parte dos louros da Sony não são de fato conquistados por ela em escala global, de fato. Grandes feitos associados a Sony são da sua subsidiaria CBS Records - que incluía a Columbia Records e a Epic Records. O segundo nome é mais familiar aos fãs de música, já que é por ele que o álbum mais vendido de todos os tempos, "Thriller" de Michael Jackson, foi publicado. Não apenas ele, mas nome como Cindy Lauper, George Michael e Céline Dion também fizeram sucesso por lá.
A confusão dos nomes e das compras de empresas começa até mesmo durante a era CBS - o nome CBS Records era usado internacionalmente [2], mas nos EUA de fato o nome da gravadora era Columbia, por uma questão de direitos autorais da marca.
Contar sobre eventos históricos tem um lado bom; todos nós sabemos o desfecho. Michael Jackson ficou com a Sony. O lado legal de contar histórias como essa, que não passam de uma linha de desfecho, é como essa linha as vezes foi forjada de maneiras, digamos, escusas.
Acima: Michael Jackson e Walter Yetnikoff Abaixo: Mariah Carey e Tommy Mottola (ex-casados) |
A história passa pela Sony japonesa, mas ela se centra em dois personagens extremamente influentes, embora controversos, da indústria musical: Tommy Mottola e Walter Yetnikoff. A história da disputa de Yetnikoff com Mottola é digna de um filme por si só.
A história por si só é muito longa, mas ela segue mais ou menos as seguintes linhas: Yetnikoff, possivelmente o homem mais influente da música por alguns bons anos, contratou Mottola para cuidar das operações americanas da gravadora. Yetnikoff é um dos "arquitetos" da venda da CBS para a Sony em 1988 - e em 1990 ele é retirado da presidência da Sony e substituído em 1991 por... Tommy Mottola.
Acho que todo mundo consegue preencher algumas lacunas na história entra Mottola e Yetnikoff dentro da própria cabeça. A história de Mottola e Jackson termina de forma menos corporativa e mais sombria, com Michael Jackson o chamando (literalmente) de "diabólico" e "racista" [3].
Mas como Michael Jackson ficou na CBS/Sony? Ele era facilmente o homem mais famoso do mundo da música. Mesmo hoje, anos após sua morte, ele segue sendo um dos nomes mais reconhecíveis da música. As propostas deviam ser astronômicas, e de fato, eram.
A relação entre a CBS de Yetnikoff e a Sony de Akio Morita (co-fundador da Sony) passava diretamente pela tecnologia recentemente introduzida ao mercado fonográfico. O CD, tecnologia inventada pelo conjunto das rivais Philips e Sony, tinha o que era chamado de "otimismo contraditório". O CD era uma tecnologia incrível e que salvaria a indústria - mas que traria prejuízos imediatos enormes [4]. O CD coexistiria com o LP, mas sairia vitorioso no fim das contas. O preço disso era outra história.
A projeção estava parcialmente correta. O CD venceu o LP, conhecido por aqui como "disco de vinil", com a chegada do fim da década de 1980. O LP nunca deixou de existir, principalmente entre os fãs da sonoridade analógica, mas o CD estava por toda a parte. Seja nos comerciais dos CD Players, nos recém chegados videogames como Sega CD e PC Engine CD (para os mais exigentes) ou com os novos álbuns dos seus artistas favoritos.
(Vamos fingir que não houveram furos na água como o DAT) [5]
A aproximação causada pela vindoura revolução do CD era iminente, mas ela era parcialmente secundária no assunto que importava mais - música. Sem grandes artistas, não havia nenhuma tecnológica que salvaria indústria nenhuma. A parte impressionante dessa história é que Yetnikoff, peça central da trama, não estaria lá para ver esse desfecho. Ele seria substituído por Mottola, que assumiria a posição em 1991 [6].
Mas como Mottola havia derrubado alguém tão grande dentro da Sony? Yetnikoff, que não era pouco controverso, famoso por as vezes exagerar nas suas manifestações públicas e por nem sempre ser muito cordial com os artistas, mas ainda era uma lenda que havia levado a gravadora ao sucesso. Como algo assim podia acontecer?
Aqui a presença da Sony Japonesa se torna vital. O braço japonês da empresa, a sede da corporação, seria mantido pelo carismático chairman Akio Morita até 1994 - ele sofreu uma hemorragia cerebral em 1993, e oficialmente abdicou do cargo em 1994. Diante dessa situação, o novo chairman da Sony foi Norio Ohga.
Ohga é um nome muito importante dentro da Sony, mesmo antes da sua ascensão ao posto antes ocupado por Morita. Ele havia sido fundamental no estabelecimento interno de diversas divisões da Sony, como a Sony Computer Entertainment, responsável pelo Playstation. Mais notório, entretanto, é que ele é creditado com um dos criadores do CD - não é pouca coisa.
Yetnikoff que mantinha uma boa relação com a Sony japonesa, viu ela esfarelar nos últimos anos de sua presidência. A história segue de forma tão cambaleante até o final, que eles terminam em um acordo sem sequer apertar as mãos um do outro ao fim da conversa (entre Walter e Ohga).
A cena seguinte, entretanto é o resumo da obra: Yetnikoff saiu da sala pela porta lateral no dia de sua saída da empresa, orientado por um segurança, enquanto Ohga simbolicamente passou o poder para Mottola em uma outra sala. Ele só assumiria de fato em 1991 - mas era de facto o mandatário das operações da Sony.
Michael Jackson assinou sua renovação com a Sony em Março de 1991, após ameaçar mudar de gravadora um ano antes. [11]
Mottola, Yetnikoff, Morita e Ohga. Grandes nomes, de uma maneira ou de outra, mas onde entra Seiko Matsuda?
Seiko Matsuda foi a artista mais vendida da Era Showa (1926-1989) e era a grande estrela do Japão. Importante deixar claro: a maior delas. Podemos discordar de qualidade, música e todas as outras coisas, mas a fama dela é explicada nos números. Não somente ela era uma estrela por sua música e por sua presença diária na mídia, mas Seiko tinha seus momentos simbólicos como pessoa também - ela foi, em seu tempo, uma das raras artistas a retomar a carreira pós nascimento da filha Sayaka Kanda em 1986.
Algumas coisas parecem banais quarenta anos depois, mas nem sempre as coisas foram como são hoje.
Mottola sabia que precisava do apoio da Sony japonesa - quando seja lá quem fosse o presidente caísse, naquele momento Yetnikoff, ele precisaria ser aprovado por eles. Como fazer isso era um desafio considerável aquela altura.
Seiko Matsuda era a maior estrela da Sony japonesa, e bastante querida por Akio Morita. Embora não seja claro se o afeto era puramente profissional ou se Morita a admirava como pessoa, mas Seiko era a menina de ouro da Sony e isso agradava qualquer executivo. O elo aqui é bem óbvio e direto - e foi dela que Mottola se aproximou de fato. Ele uniu o útil ao agradável, com o interesse da Sony e de Seiko de tentar o sucesso no ocidente. [9]
Mottola e Seiko tiveram, até onde se sabe, diversos longos jantares juntos. Profissionais, importante notar. [10] De fato, Seiko tentou uma carreira nos Estados Unidos através do seu álbum "Seiko" de 1990. O álbum contava com uma música com Donnie Wahlberg, do popular grupo New Kids on the Block ("The Right Combination").
Alguns elos são mais fortes do que outros, mas existe alguma evidência que Tommy Mottola era próximo do New Kids on the Block, e possivelmente foi ele o facilitador dessa parceria [7]. Na realidade, foi sob supervisão de Mottola que eles foram contratados para a gravadora. [8].
O álbum de Seiko e o single com Wahlberg foram de sucesso modesto. Eles foram melhores no Japão do que no seu mercado alvo, os EUA.
Álbum "Seiko" de Seiko Matsuda, em inglês, de 1990. |
Não há muita informação sobre a relação dos dois após os eventos que levaram Mottola a presidência da Sony. É difícil estabelecer se ela continuou, mas certamente o interesse em Seiko não era dos maiores por parte dele - a popularidade da artista declinou consideravelmente com o tempo, mesmo que seu nome ainda seja bastante forte até os dias de hoje. Porém, há quem diga que a aproximação com Seiko não foi tão determinante quanto informações vazadas, supostamente pelo próprio Mottola, para o Wall Street Journal sobre contatos de Yetnikoff [10].
A estratégia de Tommy, que se tornou por bem ou mal um CEO de sucesso, envolveu se relacionar e buscar conexões com as pessoas certas. A Sony japonesa, no fim, tinha o crivo de seus grandes nomes para nomear e derrubar os nomes que bem entendessem. O status de lenda não era suficiente - as relações e as considerações com grandes artistas era tão importante quanto o sucesso, de fato. Ao fim da sua passagem, as polêmicas de Walter Yetnikoff o haviam isolado e o tornado um executivo sem grandes artistas debaixo de sua asa.
Por outro lado, Mottola havia recorrido até a estrela japonesa para conseguir o que entendia ser o necessário para atingir o seu objetivo. Deixo claro, que não sei se a amizade de Mottola e Seiko era, digamos, sincera. Acho até que temos motivos para acreditar que Tommy Mottola não era uma pessoa muito boa (e digo independente e além das acusações feitas por Michael Jackson).
Seiko e Jackson já haviam se encontrado cordialmente, possivelmente entre o final de 1988 e o começo de 1989 quando Jackson realizou 9 shows no Japão, devido a algumas datas adiadas devido a inchaço nas cordas vocais. Esse encontro deu origem a uma das fotos mais engraçadas envolvendo qualquer idol: Bubbles, o macaco de Michael, cumprimentando Seiko com os pés.
Uma das grandes imagens da história |
Talvez menos esperado por eles, é que a relação deles com um terceiro elemento, iria influenciar a vida deles de forma direta, em certo nível, devido a ações indiretas de ambos. Para Seiko, talvez o pouco sucesso nos EUA seja no máximo uma frustração de um "e se" - para Jackson, o término de sua passagem pela Sony com acusações contra Mottola e um cartaz de "Sony kills music".
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Referências:
[1] Sony é a segunda maior empresa de música do mundo
[2] Anúncio da CBS no fundo da página da Billboard, em 1963
[3] Michael Jackson chama Mottola de "Diabólico" e "Racista"
[4] Projeções da Billboard sobre o CD e o seu impacto no curto prazo, (pg. 30)
[5] "Digital Audio Tape", ou só DAT.
[6] Norio Ohga, sucessor de Akio Morita, um dos criadores do CD.
[7] Os filhos de Mottola tinham acesso ao backstage do New Kids.
[8] O New Kids on The Block foi contratado sob supervisão de Tommy Mottola
[9] Mottola se aproximou de Seiko, assim como de Akio Morita (pg. 53)
[10] Tommy Mottola descreve seus jantares com Seiko como estritamente profissionais.
[11] Michael Jackson renova seu contrato com a Sony, após disputas contratuais.
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