Quando eu comecei a escrever esse texto, eu tinha uma ideia bem específica para ele. Eu tenho comigo que de forma mais direta, a segunda metade dos anos noventa (e por consequência uma parte dos anos 2000) foram o período em que a música japonesa teve mais influência direta da música que estava acontecendo nos Estados Unidos no período.
Sim, aquele período da história em que nós ainda achávamos que a globalização iria salvar o mundo. Dá até uma certa saudade desse tipo de otimismo, admito.
Para isso, eu fui atrás das listas dos singles mais vendidos da Oricon nesse período. É possível observar algumas tendências interessantes, como vou comentar logo mais. O motivo de escolher singles ao invés de álbuns é que eles são um pouco mais dinâmicos, mais frequentes e um artista geralmente lança vários ao longo de um ano, enquanto álbuns costumam ser naturalmente mais espaçados. Talvez a lista de álbuns conte uma história um pouco diferente da que vocês verão aqui.
Na prática, minha ideia era tentar encontrar um denominador comum. Qual o artista que influenciou todos esses artistas? Qual o nome que aparece na lista de todos eles? Qual o artista mais influente na música japonesa do período?
Sendo sincero, acho que subestimei um pouco a complexidade da coisa, e esse texto não tem a menor chance de ser sobre isso. Por que? Simplesmente porque todos eles tem influências tão variadas e tão abrangentes, que é difícil até de traçar qualquer linha.
As diferenças geracionais aparecem tão rápido e mudam tão logo, que as vezes elas até mesmo se misturam na própria lista. Por exemplo, fazendo a lista da Ayumi Hamasaki, um dos artistas listados por ela como influência é o Globe. A primeira aparição da Ayumi Hamasaki no Top 10 mais vendidos do ano é em 1999 ("A", em 1999), só dois anos da última vez em que o Globe conseguiu o mesmo feito ("FACE", em 1997).
A lista que fiz o levantamento vai de 1996 até 2005. Vamos comentar alguns pontos dessa lista.
*O Excel insiste em corrigir palavras mesmo que você não queira. Algum nome pode estar errado devido a teimosia dele, ou algum erro de digitação meu mesmo.
Ranking de Mais Vendidos do Ano - Oricon (1996 e 1997) |
Esses são os rankings de 1996 e 1997. Os rankings da Oricon em geral cobrem de Novembro a Novembro. Para 1996, seria 11/95 até 11/96, e assim por diante.
Há uma mudança nada sutil que você já deve ter notado, certo?
A lista de 1996 já demonstrava uma mudança significativa de estilo, mas talvez a mudança mais irônica para 1997 seja até mesmo o título das músicas. Em 1996 as músicas com título em japonês já eram menos da metade da lista, mas em 1997 sobram só duas. Claro, o títulos das músicas em si não significam nada sozinhas, mas em geral o perfil dos artistas também começou uma mudança importante nesse período.
Uma música que talvez simbolize bem esse período seja a única entrada de Toshinobu Kubota nessa janela de 10 anos, "LA LA LA Love Song" cantada com a modelo Naomi Campbell, é tema de um drama ("Love Vacation") que poderia muito bem ser um bom resumo da época. O drama em si é uma história de amor na cidade grande, do tipo que era comum no meio dos anos noventa, mas há algo otimista e de mudança nele que o torna atrativo comparado aos outros. Quase um registro histórico em questão de comportamento e estilo, tanto de vivência quanto de dramatização. Tanto que os próprios atores passaram alguns anos sendo escalados para dramas, digamos, similares.
A música de abertura tem bastante influência do emergente novo ritmo do R&B americano, que se tornaria dominante durante a década nos EUA, que era até um pouco diferentes das músicas do Kubota do começo do final dos anos oitenta e começo dos noventa. Digo "novo", porque o R&B é um estilo que mudou muito da sua forma original ao longo dos anos.
E o protagonista ainda usa uma camisa do Live Aid |
Talvez seja um pouco pretencioso pensar que era uma grande mudança, mas as paradas da Oricon no começo dos anos 90 eram bem diferentes. Significantemente diferentes. Elas ainda traziam um pouco das mudanças do final dos anos oitenta, influenciadas principal pelo dance/techno (principalmente Europeu) e ainda com forte influência do New Wave.
Por isso, o começo dos anos noventa tem frequentemente músicas do B'z, ZARD, DEEN, Kome Kome Club e TRF. O estilo desses já eram significantemente diferentes das coisas dos anos oitenta, uma mudança significativa do kayokyoku que dominou os anos oitenta - de fato, a coisa era bem variada. Todos eles eram bem diferentes, embora eles fossem bastante influenciados pelo Rock, New Wave e o Techno, em variados níveis. Nada disso significa, claro, que em algum momento houve um rompimento completo de algum gênero, embora alguns tenham declinado de popularidade naturalmente.
Na verdade, pelo contrário, o recorte mostra que vários dos que faziam sucesso antes conseguiram repetir o sucesso em algum momento durante o período recortado aqui. Mais notoriamente, Mr. Children e Southern All Stars foram os mais bem sucedidos em dar sequência no sucesso, com respectivamente 7 (sete!) e 4 Top 10 no período 96-05, sendo que já haviam realizado o feito anteriormente.
Outros como SMAP e B'z, conseguiram repetir o sucesso do começo da década, embora com menos participações (3 para o SMAP e 2 para o B'z), Não que seja pouca coisa, claro.
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Ranking Anual Oricon (1996-2005) | Canto Inferior Direito: Artistas com mais aparições (3 ou mais) |
Talvez esse último nome fosse, na época, o mais próximo ao estilo musical que Utada adotou no começo da carreira no Japão. Não, não o do CubicU em si, mas do First Love em diante. De fato, durante o começo da sua adolescência ela era um pouco mais voltada para o rock, gostando de bandas como Bon Jovi, mas o R&B a consumiu por completo nos anos seguintes - até ela virar uma estrela do próprio gênero no Japão.
Em alguns casos, e um dos motivos pelo qual esse texto não poderia chegar a conclusão que eu gostaria, é que muitos artistas não necessariamente podiam (ou não queriam) colocar suas influências diretamente nas músicas. Se o motivo era comercial ou criativo, é difícil dizer. O caso de Ayumi Hamasaki, a artista que quebrou o recorde de números um consecutivos de Seiko Matsuda, é um ótimo exemplo.
Nas pesquisas, é visível que Ayumi foi bastante influenciada pelo rock dos anos sessenta e setenta. Dentre suas influências ela lista, por exemplo, Led Zeppelin e Deep Purple. Entretanto, é na forma do R&B que as influências mais específicas aparecem - com Babyface e En Vogue.
Talvez esses não sejam nomes dos mais conhecidos dentre os titãs de popularidade do gênero, mas são certamente alguns dos mais influentes do gênero como um todo. Babyface por exemplo é listado frequentemente entre os vinte maiores produtores de todos os tempos - e não por menos, é difícil não pensar na influência direta e indireta que ele teve no período (e até hoje, eu diria).
Ainda assim, Ayumi acabou tendo seu estilo, ao menos a princípio bastante influenciado pelos gostos do produtor Max Matsuura (antigo CEO da Avex, atual diretor). Outro ponto difícil de desembaraçar - onde terminava a vontade da Ayumi e começava o de seu produtor? É difícil dizer. Talvez seja impossível de dizer.
Em outros casos, é um pouco mais fácil traçar algumas influências - o SPEED foi forjado sobre a influência do TLC, e usado como "ponto de partida" (palavras delas), para formar a própria imagem do grupo. Embora o SPEED seja significantemente diferente do TLC na prática, um grupo formado principalmente nas bases do R&B e Hip-Hop, o SPEED claramente gostava mais da parte do R&B em si. Claro que por vezes é bem difícil separar as duas coisas.
Em outros casos, temos compositores extremamente talentosos que tinham tantas fontes musicais que seria injusto nominá-los como parte de uma coisa só. Takuro, principal compositor do GLAY, claramente tinha certa preferência pelo rock e New Wave, mais notavelmente o Boowy, mas admitia influências de outros gêneros - como o grupo Rebecca e até Namie Amuro.
O GLAY, que alguém definiu como "a banda de visual key que você poderia mostrar para os seus pais", não por menos teve incríveis sete vezes no Top 10. E conhecendo as músicas, a variedade delas é bem impressionante - elas se adaptavam bem sem nunca largar mão do que eles realmente eram.
Tsunku, a mente por trás do Morning Musume e de seus grupos derivados, já era um compositor bem sucedido com o Sharam Q, sua banda. Talvez uma das coisas mais legais do Morning Musume, ao menos nos primórdios é que as músicas eram boas de verdade. Eu falo sério - eram boas mesmo, e não de sacanagem. Talvez o "Best! Morning Musume" seja o álbum/coletânea de grupo idol definitivo da época.
E nele há um pouco de tudo - mas mais uma vez, o ritmo mais marcante é o R&B. O Tsunku parece ter sido bem influenciado pelo gênero, e talvez a maior demonstração disso seja na forma de um grupo adjacente, o T&C Bomber (antes conhecido como Taiyou to Ciscomoon), um grupo altamente influenciado pelos grupos femininos de R&B da época. O grupo em si nunca alçou voos próximos do Morning Musume, nem de longe, mas era um testamento a popularidade do gênero e aos gostos do Tsunku. Embora o Morning Musume fosse um grupo de idols, é inegável que o grupo foi bem influenciado pela estética também, e a influência do grupo foi propagador dessa versão, digamos, modificada do estilo.
Acontece, que com o passar do tempo, o R&B começa perder certo espaço para os grupos mais orientados ao rock. Embora representantes como Hikaru Utada e Ayumi Hamasaki continuassem lá, mesmo o som de ambas eventualmente se enveredou para outros gêneros, embora ainda com algum resquício do R&B.
Talvez quem mereça alguma referência específica, seja o Mr. Children. Já mencionado anteriormente, eles já eram um sucesso antes do recorte, e seguiram sendo bastante influentes na lista - e continuaram sendo depois. O mesmo para o Southern All Stars, que também seguiu fazendo sucesso mesmo após o recorte, em situação bem similar ao Mr. Children. Talvez dentre os artistas da lista dos mais condecorados no recorte, sejam de fato os que mais mudaram e se adaptaram as mudanças do gosto do público.
Como exemplo disso, eu cito o ranking da Oricon de 2008, que não faz parte do nosso recorte original:
Ranking da Oricon de 2008 |
Em meio a SETE músicas de boyband/idol, eles estavam lá no meio, com algumas das melhores músicas que os grupos já lançaram. Em meio ao domínio dos grupos da (antiga) Johnny's, eles ainda encontravam um jeito de encontrar as músicas certas. E todas elas bem autênticas.
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Se traçar aquele artista que influenciou todos é impossível, talvez algumas outras conclusões possam ser tiradas de todas essas tabelas e rankings.
Primeiro, de fato, o R&B foi muito influente no Japão na segunda metade dos anos noventa. Quando não diretamente, essa influência aparecia de alguma forma estética - mas a influência musical não pode ser ignorada. Diria até que os reflexos desse período, seguem em parte até hoje.
Talvez uma discussão um pouco mais profunda seria se o R&B teve mais influência que o rock nesse período - eu diria que no acumulado sim, porque o R&B é um gênero mais específico, enquanto o rock é um pouco amplo para fazer esse tipo de alegação. Talvez se fossemos mais específicos, o New Wave que foi tão influente no final dos anos oitenta e começo dos anos noventa fosse um concorrente mais direto e justo ao R&B - porque esteticamente ele continuou vivo, mesmo quando os artistas enveredavam para outros caminhos musicalmente. De fato, o New Wave seguiu vivo, de uma forma diferente, em bandas como GLAY e L'Arc en Ciel.
Felizmente tanto os membros do GLAY quanto do L'Arc en Ciel já chegaram naquela fase incrível onde todo anos nos programas de TV o pessoal lembra eles que eles estão ficando mais velhos.
Um dos maiores culpados (no bom sentido) |
Então se musicalmente eu tivesse que listar dois gêneros específicos, eu diria que o R&B e o New Wave, ambos em todas as suas formas e variações, foram de fato os gêneros mais influentes direta ou indiretamente nesse período do recorte. Eventualmente, acho que ambos perderam um pouco a sua extravagância e um pouco da relevância - acho que a música pós 2005 envereda por um outro caminho. Talvez o ORANGE RANGE seja um bom símbolo - certamente dentre os grupos da lista final seja o mais parecido com o que veio pós-2005 em popularidade, e que certamente dos poucos que não se encaixa (significantemente) na zona de influência do R&B e New Wave.
Claro, após esse período temos o apogeu dos grupo Johnny's, que não me entendam errado, sempre fizeram sucesso, mas não na quantidade industrial como na segunda metade dos anos 2000.
Obviamente, influências desses gêneros existem até hoje, porque musica é um acumulo de influências e conhecimento progressivo. Afinal, o R&B e o New Wave já haviam sido construídos sobre as influências de outros gêneros. Bem, R&B já é um acrônimo de outras duas coisas, então já deveria ser óbvio. Já mencionei muitas vezes que não sou especialista em música e sim só um entusiasta, mas minha impressão é que o R&B era primeiro música, e que originou uma estética associada com o passar do tempo. Afinal, o R&B é um gênero antigo que tem um significado histórico.
Já o New Wave, precisa de um pouco mais de contexto, porque ele foi um movimento musical e estético. Ao mesmo tempo. Ele era um gênero nascido do Punk Rock e suas variações, mas que eventualmente se misturou com gêneros mais pop como a Disco e o Synthpop. Por isso, por essa variedade, você tem no mesmo gênero artistas como Boowy e Duran Duran, referências estéticas e musicais de cortes diferentes da mesma coisa.
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Em resumo, acredito que essas duas categorias tenham sido bem influentes nesse recorte, embora essa influência se dissipe um pouco com o tempo. Na verdade, a ideia do corte era exatamente essa - apogeu e declínio, embora declínio seja um tanto relativo. Como mencionei, ambos estão por ai até hoje, de uma forma ou de outra. Seja por artistas influenciados por esses da lista, ou até por esses mesmo artistas que ainda estão na estrada até hoje.
FONTES E LEITURA ADICIONAL:
*A maioria das fontes são artistas citados em entrevistas
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Obrigado por ler
As meninas do SPEED com carinha de vergonha de pedir pra brincar |